quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ateliê IV e mostra acadêmica




Sagrado - Devoção ao Coração de Jesus

Profano - Fetiches

Instalação "PROMESSAS"

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história. Esses modos de ser no Mundo não interessam unicamente à história das religiões ou à sociologia, não constituem apenas o objeto de estudos históricos, sociológicos, etnológicos. Em última instância, os modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no Cosmos e, conseqüentemente, interessam não só ao filósofo mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana.

Numa primeira análise pode referir-se que, enquanto que o sagrado se define como associado à religião, ao divino, ao respeito e veneração, o profano define-se em relação ao sagrado exatamente como o seu oposto. Deste modo, estamos perante uma dicotomia sagrado x profano. Mas o que são o sagrado e o profano?

O sagrado está relacionado com o divino, ou seja, é o veículo para o divino. Um objeto sagrado, qualquer que ele seja: uma mata, um templo, um rio, uma cruz, uma pedra, não é um objeto divino, mas algo real que permite a ligação ao divino. Estando determinado objeto associado a uma certa divindade, ele vai refletir os sentimentos que a própria divindade evoca: terror, fascínio, amor, respeito, paixão.

A divindade é uma força que tanto vence e ajuda a vencer, como fracassa e faz fracassar; é um poder que não se pode definir, que está em todo o lado mas que não se pode localizar em lado nenhum. É uma força sobrenatural e incontrolável, quanto muito aplicada e propiciada através de sacrifícios, é, ao fim e ao cabo, o desconhecido, pois apenas se sabe que é poderosa para além do que podemos imaginar. É esse desconhecido que atrai e repulsa que fascina e aterroriza. O seu poder é tão desejado como temido, os seus favores tão ambicionados como a sua fúria é indesejada.

O profano é um assunto mais complexo. Se seguirmos a lógica, então tudo o que não está ligado à religião é profano. Mas, como perceber o profano em certas comunidades, onde o sagrado está presente em todo o lado? Onde tudo o que faz parte da existência é sagrado? Nestes casos, onde o sagrado domina, onde poderemos encontrar o profano? A resposta é simples, não o encontraremos.

Embora a sociedade ocidental nos ensine a encarar a realidade como uma dicotomia: bem/mal, cavaleiro negro/cavaleiro branco, real/irreal, homem/mulher, civilizado/primitivo, positivo/negativo, aquela não é definível em dicotomias. Já repararam que nós, ocidentais, temos a tendência para ver um dos lados da dicotomia como positivo e o outro como negativo?

Deste modo o sagrado não existe sozinho: o homem para chegar ao divino desenvolveu rituais, cerimônias e tradições que definem os comportamentos a ter ou a evitar quando em presença do sagrado. Às regras que gerem o sagrado, chamamos religião.

Assim passaremos agora o nosso olhar a instalação PROMESSAS. Segundo os dicionários promessa é o ato ou efeito de prometer; coisa prometida; compromisso; oferta... por este motivo não teria um título melhor, para esta instalação, do que este, pelo fato de ser apresentado um duelo de promessas: sagrado x profano.

A instalação PROMESSA propõe um questionamento ao espectador que ao visitar a mesma se depara com 24 (vinte e quatro) telas nas dimensões de 15x20cm cada, sendo que, 12 (doze) fazem parte do conjunto do sagrado e 12 (doze) do conjunto profano.

Sagrado pelo fato de se referir aos ritos religiosos, ao puro, ao inviolável, profundamente venerável, ao santo. Conceituo assim, pelo tema escolhido, para compor este conjunto, ser a imagem e história do Sagrado Coração de Jesus.

Os católicos conhecem e praticam uma devoção tamanha a essa imagem que traz estampado o sofrimento de Jesus por nós, ao morrer pregado na cruz. O culto ao Sagrado Coração esteve presente já no início da Igreja, desde a Cruz, onde o divino Coração foi aberto para os fiéis como um asilo inviolável, sacrário das divinas riquezas, que derrama sobre nós as torrentes da misericórdia e da graça. Os maiores Santos de todos os séculos compreenderam o segredo desta devoção muito antes que ela fosse revelada de modo especial.

Apresento então as telas, deste grupo, todas pintadas de branco remetendo a questão da paz, do puro, do sagrado; e com a imagem de Jesus apontando o dedo para seu coração. Lembro que essas imagens são objetos industrializados, os quais me aproprio pintando essas 12 (doze) peças,também de branco, para assim fazerem parte da obra; posteriormente essas foram coladas dentro da tela, uma a uma, na parte inferior.

Interessante apresentar, a ponto de conhecimento ao assunto, um lamento do próprio Senhor a Santa Margarida Maria, referente a devoção pelo seu sagrado coração:

“Eis aqui o Coração que a tal ponto amou os homens, que nada poupou, até esgotar-se e consumir-se, para testemunhar-lhes seu amor; e, entretanto só recebo da maior parte deles ingratidões, pelas irreverências, sacrilégios, desprezos e tibileza com que me tratam no meu Sacramento de amor. O que me é ainda mais sensível é serem corações que me foram consagrados, os que assim me tratam.”

Continuando com as telas, na parte superior, sobre as imagens, está escrito, uma a uma, AS DOZE PROMESSAS do Sagrado Coração de Jesus, deixadas por ele aos seus devotos:

Finalizo as telas deste conjunto com 12 (doze) isogravuras, feitas sobre voal brancos nas mesmas dimensões dos quadros, com a estampa da imagem do coração de Jesus, coberto por uma tira de espinhos, ardendo por chamas e derramando sangue pelo corte de uma espada, um coração sofrido. A transparência do voal nos permite entrar com o olhar para dentro da tela.

Ao se deparar, então com está série sagrada, pode-se fazer um momento de parada e reflexão, de como anda o nosso coração em meio a tanta violência, miséria, coisas desumanas.

Será que nosso coração muitas vezes também não se encontra desta maneira?

Quantas vezes sofremos injustiças que nos destroem o coração?

Como devemos agir frente a isso?

Agiremos como Jesus Cristo agiu?

A questão sagrada define-se por oposição à profana, e corresponde a uma realidade que é assumida como perfeita, divina e dotada de poderes superiores aos humanos, suscitando no homem respeito, medo e reverência.

Todas as religiões assentam no pressuposto e que existem 2 (duas) dimensões do real: a sagrada e a profana.

A definição de profano segundo o dicionário é aquele ou aquilo que viola o princípio das coisas sagradas.

Por está definição a série profana apresenta suas 12 (doze) telas pintadas de cor vermelha remetendo a paixão, amor, pecado. E como tema o coração na sua forma estereotipada, o coração que representa o amor. Aqui também trabalho com a apropriação de muitos objetos industrializados e transformados, sendo principal o coração, o qual é feito de uma espécie de espuma e utilizado para fisioterapia (exercícios); em algumas telas ele aparece partido em duas partes, em outras é apresentado inteiro. Ressalto que junto a estes corações trago outros objetos que podem representar fantasias sexuais e amorosas, e objetos que servem para prevenção da saúde ao realizar tais fantasias.

Alguns destes objetos são: maçã (fruto proibido); pimenta (amor fervoroso, ardente, picante); máscara chicote, langieri, cueca de couro, pole dance, cápsula de óleo aquecedor vaginal, preservativo masculino, corrente, cadeado e chave.

Sobre os quadros, em forma de cortina, trago fios de náilon com pedrarias miçangas, dando um certo suspense, erotismo e provocação para o que se encontra dentro das telas.

As duas séries estão postas uma frente à outra e em meio a elas, em forma de corredor apresento como uma parede, uma cortina de voal branco frente ao sagrado e outra de voal vermelho em frente ao profano. Esse voal traz uma transparência que sugere algo a se guardar como se ao mesmo tempo que estou no sagrado, pela transparência, o profano vem a me provocar e assim inversamente.

Esta proposta é uma tentativa de dialogar, pelo viés da arte, a relação entre o sagrado e o homem contemporâneo também a questão da promiscuidade nos dias de hoje.

Contudo abro outro leque para se tratar desta instalação que é a questão do FETICHE; digo que esta obra traz o fetiche como tema central na série profano. Neste sentido podemos abordar o fetiche como mercadoria e o fetiche sexual.

Segundo Tomaz Tadeu Silva (1999, p.71)

O fetiche deve sua existência à ambigüidade. É simultaneamente europeu e africano. Apresenta-se como visceralmente material mas invoca, ao mesmo tempo, o que há de mais inapelavelmente transcendental. É matéria e é espírito. Humano e divino. Conceito e coisa. Autônomo e dependente. Tem pé neste mundo e um olho no outro. O fetiche, num mesmo movimento, afirma e nega. Fascina e repugna. Reafirma a centralidade do sujeito europeu no mesmo gesto que denuncia seu fascínio e sua curiosidade pelo outro colonizado. Autentica, por um momento, a autonomia do sujeito apenas para, no seguinte, pô-la em dúvida. O fetiche é presença e ausência. Aqui está ele; já se foi. Olha ali: ele parece ter vida própria; olha de novo: já não tem mais. Em sua metamorfose sexual, freudiana, movimenta-se constantemente entre o todo e a parte, o genuíno e o substituto, o mesmo e o diferente. Quando põe sua máscara social, marxiana confunde coisa com gente e, inversamente, gente com coisa. O fetiche é um ser ambíguo, híbrido, limítrofe, fronteiriço. O fetiche é o feiticeiro.

É oportuno lembrar aqui e perguntar com William Pietz (1996, p.203) apud Silva (1999, p.73) : podemos aprender algo importante ao identificar o estranho poder exercido por objetos, rituais sagrados, por mercadorias sedutoramente desejáveis, por objetos de uma fascinação sexual perversa, e por certas obras profundamente comoventes?Em suma, conforme muitos pensadores podemos dizer que fetiche é algo bom de se pensar.

O fetiche e fetichismo estão identificados hoje, com a sexualidade e com a mercadoria (Freud e Marx); mas, porém sua origem é mais remota e tem uma história mais antiga, e é nessa origem que podemos atribuir outro significado a essa palavra.

Consiredera-se que a história do fetiche tenha se dado na Europa, em Portugal, onde a palavra feitiço era utilizada para designar uma série de práticas espirituais não utilizadas pela religião dominante, como: artes mágicas, curandeirismo, malefícios, superstições, adivinhação; enfim foi a palavra que nomeava esse repertório de práticas conhecidas que os primeiros colonizadores portugueses da costa africana no século XV, recorrem para nomear as práticas desconhecidas das populações dos territórios que começavam a colonizar. Assimilar o desconhecido ao conhecido: foi à maneira encontrada para lidar com a diferença, com o estranho, com o inusitado.

Assim então, a palavra feitiço passou a designar todas as práticas espirituais heterogêneas desse povo nativo, por meio desta palavra essas práticas heterogêneas se unificavam numa idéia central: tratava-se, sempre, de atribuir a um determinado objeto, natural ou fabricado, o poder de causar certos efeitos: curar, fazer mal a outrem, proteger contra certos males, dar sorte.

Em vista disto Silva(1999, p.78) diz que

Fetiche é a forma aportuguesada do francês fétiche que, por sua vez, veio da palavra portuguesa feitiço, por meio de sua forma fonética pidgin usualmente grafada como fetisso. É na palavra feitiço, pois que devemos buscar sua origem etimológica. Não devemos supor nenhuma continuidade nem permanência no significado implicado em sua etimologia: na sua migração para o contexto intercultural da costa africana, seu significado inicial sofreu transmutações, translações e traduções.

No dicionário encontramos definições diferentes, fazendo ligações com o passado (portugueses e africanos) e com os dias de hoje, eis a definição encontrada:

Culto de certos objetos inanimados a que se formou a crença de estarem ligados ao espírito e que passam a representá-los simbolicamente; partidarismo faccioso; subserviência absoluta; perversão que consiste em amar não a pessoa, mas uma parte dela ou um objeto dela.

Voltando agora a instalação apresentada faremos uma analogia da obra com o fetiche começando com o fetiche da mercadoria que é fundamentalmente abstrato, desencarnado, transcendental e conforme afirma Silva (1999, p. 85)

O desejo do fetichista está dirigido aqui para os signos que a publicidade cola às mercadorias: não o cigarro em si, mas o status e o poder que lhe são associados; não o refrigerante em si, mas a juventude que vem junto com ele; não a calça jeans, mas a sensualidade e o erotismo que são adquiridos pelos que a vestem. Aqui, como nos outros fetichismos, o fetichista aparentemente retira sua satisfação diretamente da coisa, mas o que, na verdade, arrasta, seduz, arrebata o fetichista é aquilo que, no fetiche, é intangível, inatingível. É nisso precisamente que consiste seu fascínio. No fetichismo da mercadoria centrado no consumo, o fetiche adquire um poder quase sexual: ao objeto do desejo é atribuída uma presença que, no entanto, sempre lhe escapa.

Destacando então o porquê de relacionar alguns objetos utilizados na obra com o fetiche de mercadoria; mas, porém não se pode negar que tem também uma estrita ligação com o fetichismo sexual onde aqui o fetichismo é fenômeno pelo qual certas pessoas (homens primariamente) tomavam como objeto de excitação sexual certos objetos inanimados ou certas partes do corpo feminino/ masculino.

Assim esse fetiche provoca desejos, muitas vezes, surrealistas, onde surgem fantasias e objetos estranhos, de certa forma,a serem utilizados.

Cabe agora, levantar uma questão importante dentro da proposta da instalação descrita no início do texto que foi a partir do sagrado tentar desfetichizar o profano, ou seja

Restabelecer a ordem, delimitar as fronteiras, separar o legítimo do ilegítimo, é distribuir certificados de autenticidade e de identidade, é fazer retornar a lucidez e a razão a um mundo enlouquecido por uma convivência espúria e promíscua entre seres de natureza tão diferente. (Silva, 1999, p.100)

Ressalto aqui um objeto utilizado em todas as telas para suspender as “cortinas” tanto do sagrado quanto do profano, o cravo, objeto este utilizado para ferrar os cavalos. Trago os cravos como algo que remeta a agredir, ferir, no sagrado a dor de Cristo ao ser pregado na cruz (chagas), no profano a dor de um amor ou uma paixão não correspondido (coração machucado, partido), ou até mesmo o vazio que se tem ao levar uma vida promiscua (prazer de momento e não correspondido).

Finalizando menciono que este trabalho de pesquisa, que gerou esta obra, instalação, PROMESSAS, é fruto do componente curricular atelier IV, do curso de bacharelado em Artes Visuais, da UNIJUI (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), sob orientação da professora e mestre Salète Protti. Cabe lembrar que a pesquisa referente a este tema teve início no componente de atelier III e terá sequência no atelier V, tendo assim todo um processo de desenvolvimento e amadurecimento das obras.


Um comentário:

  1. Ai este trabalho só de inicio ,quando fomos comprar as corações lembra lá na bienal ..

    perfeito o trabalho

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