Na história “A Terceira Margem do Rio” de João Guimarães Rosa, de 1962, um homem decide súbita e inexplicavelmente viver em um barco no meio do rio; rio em cujas margens ele vivera antes uma vida aparentemente normal com a sua família. O barco, também inexplicavelmente, permanece estacionário neste lugar. Após certo tempo, sua família passa a aceitar sua presença silenciosa, e assim ele constitui uma terceira margem para esse rio, mudando sua ecologia cultural para sempre através de sua presença teimosa.
Essa metáfora de uma terceira margem ressoa em muitos níveis como uma necessidade profundamente humana e contemporânea de se ir além das oposições binárias que estruturam as nossas vidas. Após um século XX repleto de jogos de soma zero entre a esquerda e a direita, o formal e o social, o velho e o novo, ou qualquer número de construções mutuamente-destrutivas similares, a terceira margem abre a possibilidade para uma perspectiva independente, um espaço no meio a partir do qual ambas as alternativas podem ser vistas, julgadas e consideradas. A terceira margem é, desse modo, um espaço radicalmente independente, um espaço livre de dogmas ou imposições, um lugar de observação. A terceira margem também une os que antes eram antagonistas num único campo de discussão. Quando Heidegger discutiu a imagem de uma ponte, ele poderia estar falando de uma terceira margem: “A ponte […] não une somente as margens que já estavam lá. As margens emergem como margens somente na medida em que a ponte atravessa o regato […] Ela traz o regato, a margem e a terra para a vizinhança um do outro. A ponte congrega a terra como uma paisagem em torno do regato.”¹ Numa paisagem mental, a ponte é a terceira posição que une as duas ideologias opostas, permitindo uma distância crítica de ambas, e a possibilidade de vê-las como parte de um mesmo sistema.
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